Existem dois tipos distintos de estresse, o Eustresse, ou estresse adaptativo, que evoluiu enquanto mecanismo de resposta a situações de perigo e ameaça, reforçando nossos sistemas físicos e cognitivos do processo de Luta ou Fuga, os quais mobilizam nossas forças para a ação. O segundo tipo é o distresse, ou estresse patológico, crônico, que permanece acionado constantemente, por vezes, até sem a ameaça. Isso ocorre em particular porque primatas (entre eles os humanos) apresentam acionamento por antecipação, ou seja, antecipamos nossos perigos e isso pode manter acionado o processo, gerando adoecimento e perda de capacidade cognitiva e física.

   No Eustresse (o prefixo EU do latim significa real, verdadeiro, completo), o hipotálamo aciona, via hipótese, as glândulas suprarrenais, que liberam Epinefrina (nome atual para adrenalina), aumentando o tônus dos músculos e deixando-os mais preparados para a ação, aumento dos batimentos cardíacos e da respiração, para colocar mais oxigênio nestes músculos e no cérebro, além de os vasos sanguíneos ficarem com menor calibre, impulsionando esse sangue oxigenado com maior vigor e velocidade, fator este importante para entender o motivo de muitos casos de acidentes vasculares encefálicos (AVEs) ou enfartos do miocárdio ocorrerem em momentos de tensão ou estresse.

   Os mecanismos de ativação comportamental provocados pelo estresse são adaptativos e preparam nosso corpo para sobreviver a um perigo ou ameaça eminente. As suprarrenais liberam também outro importante hormônio, o cortisol, que coopta os exércitos das células imunes para combaterem possíveis organismos patógenos que ameaçam nossos corpos a partir do perigo. Nos nossos cérebros, outra substância está sendo liberada, a Norepinefrina (ou noradrenalina), que por sua vez aumenta a atenção e a vigília, preparando o mesmo para elaborar respostas apropriadas de luta ou fuga, mantendo-o vigilante e atento. A figura 1 representa o diagrama de ativação e retroalimentação negativa do sistema de luta ou fuga no Eustresse.

 

Figura 1: um evento estressor, uma ameaça a nossa vida ou integridade, é percebido pelo indivíduo. O hipotálamo (centro controlador das nossas motivações, expressão das emoções, das glândulas e de muitos comportamentos) promove a ativação, via hipófise (a glândula mestra), das glândulas suprarrenais (acima dos rins) que liberam os hormônios epinefrina e cortisol. O cortisol coopta células do sistema imune inato, os macrófagos, que fazem a faxina, limpeza e eliminação de organismos patógenos. Os macrófagos também liberam interferons, que no hipotálamo farão o desligamento do sistema de luta ou fuga, ou sua retroalimentação negativa.

   Para ilustrar isso, vamos remontar ao nosso passado primitivo, onde nossos corpos e cérebros evoluíram, mais precisamente, ao ambiente de savanas africanas onde nossos antepassados viveram em sociedades de caçadores-coletoras. Enquanto caçadores, não pouca vezes poderíamos virar a caça. De frente com um grupo de leões os mecanismos do eustresse possibilitavam respostas rápidas de luta ou fuga, respostas físicas (fugir com maior velocidade graças à epinefrina), respostas cognitivas (decidir qual a melhor rota de fuga ou estratégia de despiste) e respostas imunes (cortisol aumentando nossa atividade imune para combater organismos patógenos que por ventura penetrem nosso corpo via arranhões de espinhos venenosos presentes nas rotas de fuga, lesões provocadas pelas garras do leão repletas de bactérias e fungos). Graças às ativações físicas e cognitivas, um conjunto de mecanismos atuaria de maneira a aumentar as chances de resolver problemas e, sobreviver.

   Durante o estresse crônico, ou distresse (dis do grego significa dualidade/contrário), o sistema de luta ou fuga (todo o aparato neural, hormonal, comportamental e imune) fica repetidamente sendo acionado pelo hipotálamo, não necessariamente pelo evento, mas pela lembrança ou significância eliciada do evento supostamente perigoso. Existem diferentes tipos de acionamentos errôneos deste sistema. Quando o indivíduo passa a antecipar um perigo qualquer chamamos de TAG (transtorno de ansiedade generalizada), quando acionado com um estímulo que não é perigoso chamamos de fobia simples, acionando com pessoas fobia social, no TOC (transtorno obsessivo compulsivo) aciona quando o indivíduo não faz o ritual ou deixa de evitar algo, e no TEPT (transtorno de estresse pós-traumático) o sistema permanece continuamente acionado. Todos estes transtornos causam sofrimento e podem ser deveras incapacitantes.

   O acionamento continuado do sistema de luta ou fuga pode alterar a regulação negativa do mesmo, fazendo com que, principalmente, o sistema nervoso e o sistema imune não respondam de maneiras apropriadas, provocando doenças comumente denominadas de psicossomáticas. Tais doenças são provocadas pela baixa imunidade (diminuição dos macrófagos), e ocorrem especialmente nas estruturas superficiais do nosso corpo, como vias aéreas superiores e inferiores (gripes, sinusites, renites, bronquites e pneumonias), sistema digestório (gastrites, enterites, pancreatites) ou ainda da pele e mucosas (dermatites, herpes, micoses, candidíase).

   Mas o acionamento continuado do sistema pode também provocar um aumento desordenado da resposta imune do organismo e as células do sistema imune passam a atacar células do próprio corpo, as denominadas doenças autoimunes, como esclerose múltipla (sistema passa a atacar as células da bainha de mielina dos neurônios), diabetes do tipo 1 (sistema imune passa a combater as células do pâncreas que produzem a insulina), lúpus discoide (sistema imune ataca células da pele) ou lúpus sistêmico (ataca células do sangue, das articulações, do coração, dos rins ou do sistema nervoso).

   Outro problema de ordem cognitiva derivado do estresse patológico se relaciona com nossas memórias. De maneira simplificada, dois principais tipos de memórias podem sofrer alterações decorrentes do estresse crônico e patológico. As nossas memórias emocionais, relacionadas aos núcleos das amígdalas (estruturas em forma de amêndoas no cérebro, sede das nossas memórias emocionais e de respostas como medo, raiva e dor) ilustradas na figura 2, apresentam uma alta reatividade, funcionando de forma muito vigorosa em decorrência do distresse. Tais memórias são implícitas, não declarativas e inconscientes. O segundo sistema, das nossas memorias de fatos e dados, que tem como estrutura mediadora o hipocampo, se torna menos ativo, e mesmo as células do hipocampo morrem em decorrência do distresse, células importantes para nossas memórias declarativas e conscientes. Portanto, nos lembramos com menor precisão dos fatos e dados e temos menos discernimento dos motivos eliciadores das nossas ações, mas agimos de forma muito mais vigorosa em direção aos eventos eliciadores. Uma bomba relógio prestes a explodir em irritabilidade, tensão, agressividade, impulsividade, medo, raiva.

 

                              Figura 2: Núcleos da Amígdala, relacionados às memórias emocionais.

   Existem maneiras simples, pouco dispendiosas em termos financeiros e de grandes resultados na prevenção e eliminação dos efeitos indesejados do distresse, mas todas estas maneiras implicam em práticas e exercícios, em mudanças de hábitos e rotinas, que necessitam de esforço e tempo. Importante determinar aqui que mudanças nas nossas práticas cotidianas, bem como, mudanças para hábitos de vida mais positivos, são sempre dolorosas no início (ver Mudanças são dolorosas! Neste blog), mas muito prazerosas na sua continuidade, reforçando nossas potencias internas e nos habilitando com maiores disposição e saúde.

   Parece até clichê, mas as atividades físicas em geral e esportes em particular são os mecanismos naturais para desligar o funcionamento errôneo do sistema de luta ou fuga. Isso porque um dos mecanismos naturais do sistema é justamente atividade física intensa para fugir do perigo ou enfrentá-lo. Depois que o leão vai embora fica só aquela coisa boa de voltar pra casa, tomar um banho, fazer uma bela refeição e relaxar juntos aos seus contando as histórias de como você foi valente e corajoso ao enfrentar o leão. Ou seja, atividades físicas intensas seguidas por momentos de relax e interações sociais acalentadoras. É como dizer para o cérebro que o perigo passou e que você é o máximo de coragem e força.

   Atividades físicas vão um pouco além, pois promovem a neurogênese (surgimento de novos neurônios), aumento de atividade sináptica em regiões importantes como córtex cerebral e hipocampo (área das nossas memórias de fatos e dados), e também aumentam significativamente os principais neuromoduladores do cérebro, como dopamina (relacionada ao prazer e controle dos impulsos), serotonina (relacionada com motivação e humor), norepinefrina (vigília e atenção) e melatonina (que regula o sono e os ritmos diários do corpo).

   Os carboidratos de cadeia curta (açúcares refinados e farinhas brancas em especial) devem ser evitados, pois eles aumentam a sensação de estresse. Na verdade, os carboidratos têm relação imediata com a serotonina, sendo que a elevação dos níveis glicêmicos e de insulina aumenta este importante neurotransmissor relacionado aos nossos comportamentos motivados. Mais carboidratos, mais serotonina, menor agressividade e menor libido também, mas melhoria na saciação, ou seja, diz para o corpo e para a mente que o indivíduo está satisfeito, saciado. No entanto, açúcares simples aumentam em demasia os níveis glicêmicos, há um pico de insulina que logo transforma o excedente em material de reserva no fígado e nos adipócitos e, logo o indivíduo sente necessidade de mais. Este curto período de saciação diz para o corpo e para a mente que o sujeito não está satisfeito, o que além de aumentar o consumo destes venenosos açúcares gera compulsão e estimula células tumorais na sua multiplicação. Isso provoca ainda mais distresse, somando-se aos outros fatores do nosso dia a dia. Os açúcares de cadeia curta são as primeiras experiências de abstinência e fissura que a maioria de nós sentiu na vida, primeiras experiências aditivas (relacionadas aos vícios) que o sujeito vive, ainda no ventre, no berço, na mamadeira.

   Por outro lado, os carboidratos integrais, como os açúcares presentes nas frutas e os grãos integrais, elevam os níveis glicêmicos mais lentamente, na medida das nossas necessidades e, sem excedentes, o que promove uma saciação por mais tempo, a saciação mais prolongada gera uma pessoa mais satisfeita, produzindo níveis ótimos de serotonina, em uma modulação das motivações e diminuição dos efeitos do estresse mais eficazes.

   Importante ainda no que tange à alimentação a ingestão de nutrientes neuroprotetores, tais como, ômega 3 (presente nos peixes e ovos), a vitamina B12 (a partir do cobalto presente nas folhas de verde intenso, como brócolis, rúcula), o selênio e zinco (presente nas castanhas e nozes) e, em especial, a vitamina E (presentes nas sementes). Todas essas substâncias são ótimas para diminuir os efeitos indesejáveis do estresse no cérebro. Evitar a ingestão de bebidas alcoólicas também é muito necessário. Na verdade, parece que a gente faz tudo ao contrário quando se está submetido ao distresse, não é mesmo?

   A maioria das técnicas de meditação e relaxamento apresenta alguma melhoria cognitiva e emocional, se conduzida com seriedade e ensinada corretamente. O mais importante é que a técnica possibilite aumento na atenção e controle dos pensamentos e emoções. Respirar apropriadamente e mesmo se concentrar nessa atividade fisiológica automatizada parece melhorar significativamente nosso controle cognitivo e emocional. A Meditação de Atenção Plena (Mindfulness) é a mais pesquisada. Monges e praticantes experientes neste tipo de meditação apresentam aumentada quantidade de ondas gama no cérebro, o mesmo tipo de onde que está abundante no cérebro de bebês, o que parece sinalizar um processo de ordenamento e potencialização das capacidades cognitivas.

   A diminuição do tempo e da qualidade de sono gera estresse e morte neural das áreas atreladas à memória, bem como, adoecimento. Uma boa noite de sono, além de reparadora para o cérebro e para o restante do corpo, é um poderoso mecanismo para aflorar nossos potenciais. O sono é um poderoso mecanismo reparador, além de ser durante as ondas teta (sono leve) e o sono REM que nossas memórias são organizadas e acomodadas. Menos sono terá como consequência a ampliação dos efeitos deletérios do distresse e mesmo, pode ser a sua causa.

   Muitas vezes, quando estamos submetidos ao distresse, não conseguimos perceber a necessidade de mudar de atitudes, de procurar auxílio, ou quando o fazemos, fazemos com amigos ou parentes, que quase nunca estão preparados para nos prover de alternativas ou atividades que mudem nossa maneira de pensar e agir. As diferentes psicologias têm se preocupado não na cura das doenças mentais, mas sim, nos mecanismos para evitá-las, com destaque para a psicologia positiva, que trabalha no uso positivo das emoções, não enquanto juízo de valor (boas ou más), mas no uso positivo mesmo que seja de uma tristeza ou dor, e na interpretação e uso positivo de uma alegria. A terapia cognitiva comportamental, a partir de um leque variado e validado de exercícios, tem se destacado no que tange a reestruturação cognitiva, a ressignificação de hábitos, emoções e memórias, bem como, no controle de comportamentos indesejados ou prejudiciais que, na maioria das vezes, não temos a percepção clara de que ocorram ou que nos atrapalhem.

   Jogos de tabuleiros e cartas, brincadeiras, rodas de conversas, passear com a família e os amigos. Ambientes que promovem a socialização estão entre as atividades que mais impactam na redução dos efeitos deletérios do distresse. Rir na presença dos amigos e dos filhos nos fornece conforto e segurança, uma mensagem clara para o cérebro de que a ameaça já passou e estamos salvos juntos aos que amamos. Jogos e brincadeiras nos mostram que o mundo é feito de normas e regras, de que ganhar e perder é um só aspecto inerente à vida, diminuindo o efeito tão devastador das frustrações e demonstrando que após uma derrota sempre haverá uma nova rodada do jogo, assim é a vida, assim é o estresse, algo que nos ameaça, mas que deve passar. Isso promove resiliência, esta incrível, mas pouco exercitada, capacidade de enfrentar e resolver problemas.

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