Empatia, compaixão e altruísmo são componentes adaptativos para nossa sobrevivência em grupo. Empatia e compaixão são sentimentos que advêm de habilidades cognitivas sociais e emocionais. A empatia possibilita se colocar no lugar do outro, intuir suas emoções, sentimentos e intencionalidades. A compaixão é um sentimento que promove uma ação capaz de oferecer determinada segurança emocional, para quem conseguir perceber sua importância social, além do auxílio, carinho ou conforto conferidos aos outros. O altruísmo é um comportamento cooperativo entre os indivíduos e, pode ocorrer em diferentes níveis e modalidades.

   Não nascemos com uma natureza boa ou má, tais concepções ganharam força com os jusnaturalistas, enquanto tentativa de compreender as invariáveis da natureza humana. Foram desenvolvidas diferentes teorias para explicar tais invariáveis: Rousseau considerava que o homem nasce bom por natureza e, a sociedade o corrompe, a ideia do “Bom selvagem”; Hobbes defendeu a tese de que o homem é ruim na sua essência, “o homem é lobo do homem” e, o estado e as normas deveriam domesticar esse lobo; Locke afirmava que o ser humano nasce como uma “tábula rasa”, com suas páginas inatas em branco, e que, qualquer natureza poderia ser construída. A natureza não é boa ou má a priori, ela simplesmente é. Os juízos de valores emergiram a partir dos arranjos e contratos sociais tácitos em nossas relações. Muitas outras espécies apresentam claramente tais contratos sociais, como: chimpanzés, gorilas, orcas, golfinhos, em intrincadas redes de hierarquia, controle, persuasão, empatia, cooperação, justiça, paz ou beligerância.

   Os sentimentos e comportamentos relacionados à compaixão, empatia e altruísmo, entre outros, teriam sido selecionados por beneficiar os indivíduos e aumentar a propagação dos seus genes e, dos fenótipos que assim se expressavam nas interações sociais (parentes, outros indivíduos do grupo e, por vezes, desconhecidos). A seleção natural teria desenhado em nossos cérebros circuitos neurais especializados em avaliar os custos e benefícios das relações, assim como, intuir as intencionalidades, emoções, trapaças (CALLEGARO E SARTORIO, 2009). É a chamada Teoria da Mente, que é a capacidade de espelharmos a mente do outro em nós.

   Na grande maioria das vezes, as interações entre dois jogadores se repetem. Nessas circunstâncias, Cartwright (apud OLIVA et. al., 2006) cita algumas regras: 1. cooperar incondicionalmente na primeira vez; 2. nunca ser o primeiro a trapacear; 3.em caso de ser trapaceado, retaliar, mas voltar a cooperar caso o parceiro passe a cooperar” (OLIVA et. al., 2006). Oliva e colaboradores alertam para a vulnerabilidade e falha de comunicação nessa estratégia visto que, as relações humanas envolvem muitos “jogadores”, não apenas dois.

   Muitas reações emocionais evoluíram para equilibrar nossas relações sociais. Revolta, indignação e ressentimento são desencadeadas no jogo de trocas sociais se percebemos injustiças. A punição aos trapaceiros implica em impedir que alcancem os benefícios e vantagens no oportunismo. Emoções como raiva, desprezo e repulsa evoluíram para punir os trapaceiros, enquanto que a gratidão, a compaixão e a reverência moral seriam reforçadores dos comportamentos altruístas (OLIVA et. al., 2006).

   Com relação ao altruísmo, é provável que pressões seletivas trouxessem vantagens a indivíduos que cooperavam e, por isso, esse comportamento persiste até os dias de hoje. A manutenção dessa cooperação acontece de várias maneiras, das quais podemos citar o altruísmo recíproco, o altruísmo de parentesco e o que hoje denominamos como altruísmo forte ou verdadeiro.

   Hamilton (1971) contribuiu com o conceito de seleção de parentesco, chamando atenção para o fato de que nossos parentes carregam nossos genes ou, pelo menos, metade deles no caso de pais ou filhos, ou um quarto no caso de avós, primos, sobrinhos e tios. Ou seja, colaboramos com parentes, de acordo com a hipótese da seleção de parentesco, pois assim, nossos genes prosperam, replicando-se na próxima geração. Por outro lado, é provável existir mais agressão entre pessoas não aparentadas entre si do que entre aquelas que partilham genes; a probabilidade de um enteado ser morto por um padrasto ou madrasta é cem vezes maior do que a chance de um filho ser morto pela mãe ou pai (DALY e WILSON, 1988).

   Robert Trivers (1971), em sua teoria do altruísmo recíproco, sugere um mecanismo muito mais amplo de regulação social que envolve ajuda mútua e troca de favores entre pessoas sem parentesco, tendemos a ajudar mais a quem tem probabilidade de nos ajudar no futuro, especialmente em situações onde o benefício é grande para o outro, enquanto o custo da ajuda é pequeno para nós.

   A ajuda desinteressada seria o altruísmo forte ou verdadeiro. Este termo é reservado para aquela colaboração dirigida às pessoas sem laços genéticos (eliminando a seleção de parentesco de Hamilton) e que ocorre mesmo sem qualquer perspectiva de algum retorno (eliminando o altruísmo recíproco de Trivers). No entanto, esta característica de generosidade poderia ser produto residual do altruísmo recíproco, um traço adaptado a um contexto caçador-coletor, mas remodelado em um mundo atual globalizado, demostrando o quão cooperador o indivíduo é, um(a) ótimo(a) parceiro(a) para conviver, alguém que estará disposto a cooperar amplamente.

   Por outro lado, sentir-se excluído de um grupo social ou de uma companhia parece ativar diretamente áreas do cérebro relacionadas à dor física, valendo o ditado de que uma dor de exclusão social e inimizade dói “na carne”. Para o cérebro, isso parece ser literal. Achados semelhantes foram encontrados para pessoas que experimentavam elevados níveis de sensação de solidão (INAGAKI et. al., 2016). Também, o isolamento social agudo pode apresentar respostas de abstinência semelhantes à fome (TOMOVA et. al., 2020).

   O uso cotidiano da empatia é amplamente exemplificado, como a persuasão, do nascimento à morte, quando choramos ao sentir dor ou fome, sorrimos e fazemos gracejos ao querer algo de um adulto, as inúmeras queixas, os atos de heroísmo que descrevemos para chamar a atenção ou convencer alguém de nossa coragem, força e retidão moral. Garçons holandeses recebem mais gorjeta quando repetem o pedido na frente dos clientes. Ratos deixam de apertar alavancas para ganhar água, quando percebem que a ação também provocava choques nas patas de outros ratos. A noção de justiça parece estar fortemente atrelada aos sentimentos de empatia e cooperação. Macacos podem se recusar a comer, muitas vezes, jogando a comida nos tratadores, quando percebem que o macaco da gaiola ao lado não havia recebido comida, ou recebia uma comida em menor quantidade (de WAAL, 2010). O livro citado, A era da Empatia, do primatologista Frans de Waal, fornece inúmeros exemplos de empatia na natureza.

  Existe um porém nas nossas percepções de bondade, empatia e altruísmo: são permeadas de autoengano e de distorções cognitivas. Nosso eu ou self não é neutro ou imparcial na sua observação do mundo, apresentamos uma visão positiva a respeito de nós mesmos, superestimando nossas habilidades e talentos e nossa capacidade de atingir metas. Schacter (2003) argumenta que as nossas lembranças autobiográficas sofrem do que denomina de “distorções egocêntricas”, um conjunto de manobras que cercam a percepção do self de uma aura positiva.

   O Self distorce as experiências de vida de modo egocêntrico, exagerando a percepção consciente de nosso próprio valor, como sugere Taylor (1989), em seu livro Positive Ilusions. Pessoas tendem a notar traços positivos de personalidade em si mesmas, enquanto destacam os traços indesejáveis dos outros, os êxitos são assumidos pelo sujeito, enquanto os insucessos são atribuídos aos outros. A visão que temos de nós mesmos é repleta de autoengano, nos percebemos mais altruístas e colaborativos do que somos realmente (SARTORIO E CALLEGARO, 2019).

   A compaixão parece ter um valor adaptativo importante, quando pensamos em termos de neurônios espelhos e na Teoria da Mente. Quando a dor ou o sofrimento é testemunhado involuntariamente, a testemunha experimenta a mesma emoção e sentimento, e então, age para diminuir o sofrimento da outra pessoa e, assim, diminuir o seu próprio sofrimento tendo como base a empatia. A compaixão emerge como um recurso emocional que leva a uma ação, guiada pela empatia.

“A humanidade para com os animais, parece ser uma das conquistas mais recentes. Essa virtude é uma das mais nobres das quais o homem é dotado, parece surgir acidentalmente a partir de nossas compreensões, tornando-se mais suave e amplamente difundida, até que elas se estendam a todos os seres sencientes.” Charles Darwin

   Em um experimento, um artista representava estar atordoado e perdendo a consciência em frente ao auditório, onde seminaristas deveriam apresentar um trabalho, tendo como tema, para um grupo, a Parábola do Bom Samaritano e, um outro grupo, um texto diferente. Foi dito a parte deles que estavam atrasados para suas falas, a outro terço, que estava quase na hora e, em outro grupo, que havia tempo de sobra. No experimento, 60% dos seminaristas apressados não prestaram assistência, e 10% prestaram assistência, mesmo estando atrasados, no grupo de não apressados, 63% prestaram assistência. A conclusão dos psicólogos foi de que “a única coisa que afeta a compaixão humana é o nível de pressa em nossas vidas” (FERH e RENNINGER, 2005). Na urgência e pressa com compromissos pessoais e profissionais da modernidade, a compaixão parece perder força.

   A compaixão e empatia, mesmo sendo evolutivas e atávicas, podem e devem ser ensinadas, são capacidades passíveis de treinamento e exercícios nos ambientes educacionais, nas organizações, nas famílias. Também, o autoconhecimento, enquanto diminui o egoísmo e as distorções do ego, pode prover mais sinceras formas de compaixão e altruísmo. Por fim, temos condições cognitivas e emocionais para a ampliação de nossas capacidades empáticas para todos os seres vivos e para com o próprio planeta que habitamos.

Referências:

CALLEGARO, M., SARTORIO, R. (2009). Evolução da mentira e do alto-engano. In: OTTA, Emma; YAMAMOTO, Maria Emília (Coord.). Psicologia evolucionista. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009. p. 144-156 (cap.15).

DALY, M. & WILSON, M. (1988). Homicide. New York: Aldine de Gruyter.

FERH, E.; RENNINGER, S.V. (2005). O paradoxo do Samaritano. Viver Mente & Cérebro. São Paulo: Duetto, v. 13, n. 144, p. 80-87.

HAMILTON, W. D. (1971). The Genetical Evolution of Social Behavior. In: WILLIAMS, G.C. Group Selection. Chicago: Aldine-Atherton.

INAGAKI, T.K. et. al. (2016) Yearning for connection? Loneliness is associated with increased ventral striatum activity to close others. Social, Cognitive, and Affective Neuroscience. 2016 Jul;11(7):1096-101. doi: 10.1093/scan/nsv076. Epub 2015 Jun 17.

OLIVA, A. D. et al. (2006). Razão, emoção e ação em cena: a mente humana sob um olhar evolucionista. Psic.: Teor. e Pesq.  Brasília ,  v. 22, n. 1, p. 53-61,  Apr.  2006 . Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-37722006000100007&lng=en&nrm=iso. Acesso em:  13  Jan.  2021.

SARTORIO, R., CALLEGARO, M. M. (2019). Evolução da mentira e do autoengano. In: Manual de Psicologia Evolucionista. Maria Emilia Yamamoto e Jaroslava Varella Valentova (orgs). 1. ed. Natal: Editora da UFRN. 2019, p.502-522.

SCHACTER, D. L. (2003). Os sete pecados da memória. Rio de Janeiro: Rocco.

TAYLOR, S.E. (1989). Positive illusions: Creative self-deception and the healthy mind. New York: Basic Books.

TOMOVA, L. et al. (2020). Acute social isolation evokes midbrain craving responses similar to hunger. bioR. doi: https://doi.org/10.1101/2020.03.25.006643.

TRIVERS, R. (1971). The evolution of reciprocal altruism. Quarterly Review of Biology, n. 46, p. 35-57.

de WAAL, F. (2010). A era da empatia: lições da natureza para uma sociedade mais gentil. São Paulo: Companhia Das Letras.