Não sou mulher, não estou nesta condição, mas sou humano, e tenho a condição humana que me habilita à empatia. Muitas são as contradições no que se refere ao papel das mulheres na evolução humana. A história recente tem sido marcada pela narrativa de grandes homens, de líderes masculinos, como um modelo civilizatório. Tal narrativa apresenta um viés que coloca o feminino e, em especial, mulheres, enquanto sujeitos subservientes e secundários.

A primeira contradição pode ser percebida nos próprios relatos históricos, permeados por grandiosas mulheres, de sociedades onde o feminino é a base civilizatória, como percebemos nas quatro matriarcas do mundo judaico, em muitas culturas não industriais estudadas e suas deusas solares, exemplo do povo Mairum, da Amazônia, que tinha, não um Deus Solar, mas sim, uma Deusa Solar, “Mayra”, como destaca o romance homônimo de Darcy Ribeiro. Ainda, no mundo ocidental moderno e pós moderno, a ciência, literatura, tecnologia e política têm sido marcados fortemente pelo protagonismo de mulheres, com nomes e contextos perdidos ou deformados, como percebemos em Marie Curie, Frida Kahlo, Rosalind Franklin, que teve sua participação na elucidação da estrutura de DNA colapsada, Katherine Johnson, que levou o homem ao espaço e à lua, Antonieta de Barros, a mulher negra, parlamentar brasileira, que criou o Dia do Professor/Professora e que defendeu a ideia de que mulheres não deveriam ser virgens de ideias. O desenvolvimento de tecnologias e evolução dos cérebros, a partir de uma maior complexidade social, sempre esteve atrelada à caça e ao masculino, ao universo do homem, um equívoco que merece ser corrigido.

A segunda contradição que gostaríamos de elucidar aqui é a relação imediata e causal de que o masculino é um universo exclusivo dos homens e de que o mundo feminino é exclusivo para as mulheres. Em outros posts do blog já elucidei a organização das mentes femininas e masculinas, do erro que incorremos ao avaliar características enquanto dicotômicas, duais, com extremidades para nos encaixarmos. Não obstante, nossas características manifestam contínuos, onde cada indivíduo pode se encaixar de diferentes maneiras entre os extremos ilusórios. Tal dicotomia nos separa, faz com que acreditemos que somos indivíduos aparte uns dos outros, diferentes, provocando estranhamento e dominação. Somos todos, homens e mulheres, mosaicos de sexualidades. Há um perverso domínio do masculino, representado também por mulheres que atuam de forma muito masculina em seus papéis de liderança e, um prejuízo incalculável para o fomento de mentes femininas no poder e na cultura, que tem como base a manutenção das mulheres em papeis secundários, em diferentes contextos.

Sociedades matrilineares foram a norma na história evolutiva do homem e de muitos mamíferos sociais, como elefantes, orcas, cachalotes. As mulheres dominaram as sociedades em seus estágios iniciais e tiveram diminuído seu prestígio ao longo do tempo.

 

Teorias que suportavam a concepção do “homem caçador” foram responsáveis por disseminar a ideia de que a evolução humana da inteligência, técnica e sociabilidade foi marcada pela atividade da caça, que ganhou contornos machistas e misóginos. Na verdade, há um conjunto de evidências que apontam para o fato de que mulheres, nos primórdios de nossa evolução, foram responsáveis por boa parte da nossa cultura primitiva, ao repassar para seus filhos seus rituais e modos. Uma maior diversidade de artefatos e tecnologia foi inventada e desenvolvida por mulheres em nossa pré-história, tanto para a extração de frutos, brotos e sementes, quanto para a manipulação dos alimentos, incluindo aí o fogo, como bem sugere o filme “A guerra do fogo”, de Jean Jacques Annoud, onde uma mulher ensina um homem a fazer fogo a partir de fricção de gravetos e pedras.

Plantas, e não carne, foram o foco das inovações tecnológicas e sociais que nos fizeram humanos. A discussão científica sobre isso tem apontado um resultado com protagonismo predominantemente feminino, mas de cooperação e uma base econômica mista e interdependente entre homens e mulheres ao longo da história. Estudos de sociedades não industriais, conduzidos pelos irmãos Boas, demonstraram que em tais sociedades a divisão sexual do trabalho era pouco nítida e que as mulheres eram indivíduos bastante autônomos, reforçaram a matrilinearidade e quebraram o padrão de monogamia absoluta, bem como, do homem protetor e provedor.

Humberto Maturana, o proeminente biólogo chileno, recentemente ofereceu uma proposta para um modelo civilizatório mais equânime e ecológico, no que ele denominou de “Sociedades Matrísticas”, que seriam sociedades não exatamente organizadas a partir de mulheres, sem as divisões conflituosas e dicotômicas, mas sim, baseadas no universo feminino que há em cada um de nós. O feminino preserva em si características infantis, como podemos perceber nos traços do rosto de adultas. Essas características possibilitaram aos seres humanos a ampliação de suas capacidades cognitivas, pois, as crianças apresentam maiores potencialidade, em especial para novas aprendizagens, tão importantes para melhores respostas às mudanças do ambiente.

As sociedades podem ser mais ecológicas, na medida em que mulheres (e cérebros mais femininos), por incorporarem maiores custos para com a reprodução e com os filhos, percebem a manutenção dos recursos de forma mais acurada, em um esforço para manutenção dos mesmos a longo prazo. Essa maneira de pensar do feminino também percebe a vida em si com um maior nível de valor, cérebros mais femininos são mais sensíveis no que tange à morte, à perda dos filhos e dos recursos. Assim, o culto do feminino, em meninas e meninos, pode ser a grande chave para um processo civilizatório menos predatório, mais econômico e ecológico. Isso parece estar sendo bem evidente na gestão da pandemia recente por SARS-CoV-2, onde países administrados por mulheres com cérebros marcadamente femininos obtiveram melhores resultados, com menos infectados, menos mortes e menores prejuízos em suas economias, ao passo que, países liderados por homens, ou por mentes muito masculinas, as ações e suas consequências foram e têm sido nefastas.

Minha homenagem ao Dia Internacional das Mulheres! Necessitamos de mais lideranças femininas para sobreviver neste já combalido Planeta Terra e, a partir do protagonismo das mulheres e com cérebros mais femininos no que tange à linguagem, economia, proteção da vida e dos recursos naturais, é que poderemos iniciar nosso aprendizado na construção de um novo modelo civilizatório. Faz-se necessário estimular e criar condições para que os homens possam participar mais ativamente como cuidadores dos filhos e do lar, diminuindo o peso que recai sobre as mulheres e a ideia equivocada do homem provedor, que tanto reafirma o machismo nas vidas privadas e nas instituições. Parecem sugestões adequadas para um mundo de maior igualdade de direitos e deveres. Precisamos educar os seres humanos para serem mais cooperativos e diversos em suas identidades e modos de pensar e agir. O feminino que habita o meu ser saúda o feminino que habita o seu ser. Que possamos respeitar e valorizar mais o universo das Mulheres e que elas possam ser amplamente femininas em seus papéis, nas ciências, nas artes, na cultura e em todos os âmbitos que desejarem!

Referências Bibliográficas:

FEDIGAN, L. (1986). The Changing Role of Women in Models of Human Evolution”. Annual Review of Anthropology, n. 15, 1986, p. 25-66. Disponível em: https://www.annualreviews.org/doi/10.1146/annurev.an.15.100186.000325. Acesso em: 12.dez.2020.

MATURANA, H. Disponível em: www.matristica.org. Acesso em: 06.mar.2021.