O ato da leitura apresenta benefícios em diferentes aspectos de nossas vidas. A Neurociência, as Ciências Cognitivas e a Psicologia Evolucionista podem contribuir em dois contextos distintos e intercambiáveis: 1. A leitura enquanto papel fundamental em todo processo educacional e treinamento e suas implicações no desenvolvimento humano; 2. A leitura enquanto substrato emocional e social, contribuindo para diminuição dos efeitos do estresse, na prevenção e melhoria das doenças mentais e, na ampliação das capacidades de empatia e sociabilidade.
   Decodificar símbolos e transformar os mesmos em imagens mentais, ou, imagens mentais em símbolos, são atos de grande complexidade para o cérebro e, envolvem diferentes áreas dos sistemas emocional, psicomotor e cognitivo. Assim como na escrita, a leitura constitui componente fundamental para a estimulação cognitiva e formação de reserva neural, com benefícios em praticamente todas as esferas da vida para aqueles que se envolvem e praticam essa atividade (Fernandez, Goldberg e Michelon, 2013). A reserva neural pode ser expressa como uma maior plasticidade do encéfalo, na formação e proteção do tecido nervoso e, consequentemente, menor impacto advindo do declínio cognitivo próprio da idade, dos efeitos deletérios do estresse, após lesões, em decorrência da carência de substâncias em algum momento da vida, do uso continuado de psicofármacos e outras substâncias psicoativas.
 As diferentes estruturas textuais, narrativas, descrições de cenários, objetos, personagens e suas personalidades, comportamentos, ações e emoções estimulam vastas áreas do córtex, de estruturas subcorticais como amígdalas (emoções), hipocampo (memória semântica e autobiográfica), núcleos da base (motricidade fina e controle dos impulsos), facilitam a formação de novas memórias, promovem o controle dos impulsos ao acompanhar o texto, a narrativa, as descrições, as pontuações, a sequência do texto, que exige controle motor e cognitivo por parte do cérebro, sendo tais controles ampliados para outras atividades cotidianas.
   Destacamos também que existem tipos de literatura que serão mais eficazes para tais benefícios, não é por acaso a relevância de autores da língua portuguesa como Machado de Assis, Eça de Queiroz, com suas longas descrições de cenários, contextos, objetos, pessoas e comportamentos, ou ainda, Guimarães Rosa, seus neologismos e regionalismos, enriquecem não só o vocabulário, mas também, a sintaxe, semântica, oferecendo diferentes universos existenciais. Romances históricos de Marguerite Yourcenar, como “Memórias de Adriano” ou “A obra em negro”, talvez o realismo mágico de Gabriel Garcia Marques, no universo de Macondo, em “Cem anos de solidão”, ou em “O amor nos tempos do cólera”, a lista é vasta, para ficar no universo adulto.
   Um bom texto deve ao menos ampliar o léxico do leitor, exigir de seu cérebro novas avaliações. Um texto pode fazer com que o leitor deixe de viver seus dilemas pessoais e viver a vida de outros por alguns instantes, resolvendo problemas longe dos reais problemas e conflitos de suas vidas, fornecendo, muitas vezes, resoluções inesperadas aos desafios, naquilo que costumamos dizer “pensar fora da caixa”, que é pensar os problemas fora de seus contextos originais.
   A leitura é uma habilidade adquirida e aperfeiçoada mediante o treino, muitos fatores, incluindo capacidades fonológicas, contribuem para o sucesso de sua aquisição. A criança aprende a associar sons bem conhecidos com símbolos do alfabeto e finalmente acessa o significado das palavras escritas, fazendo a correspondência entre grafemas e fonemas, entre letras e sons falados (Brem et. al., 2010). A literatura infantojuvenil também é vasta e rica mas, para ficar na questão das emoções, sentimentos, do mundo da empatia e sociabilidade, “O chapeuzinho amarelo”, de Chico Buarque de Holanda é um texto rico para trabalhar o medo, assim como, todos os livros da Ruth Rocha, com sua maneira especial de enriquecer o vocabulário das crianças e auxiliar na organização de seus mundos emocionais e sociais. A boa literatura infantil apresenta uma característica peculiar, a repetição de palavras, contextos, ideias, ao longo da narrativa, e isso explica também o motivo de crianças pequenas gostarem de ver os mesmos filmes e episódios várias vezes, ou de ler e ouvir as mesmas histórias repetidamente; como suas memórias conscientes ainda estão em formação, as crianças não constroem a narrativa por completo com uma única exposição mas, paulatinamente, organizam a história ao longo das inúmeras vezes que escutam, leem ou assistem algo. Por isso, palavras, sons, contextos, imagens se repetem nos textos infantis.


   Estudos indicam que ocorrem mudanças comportamentais em indivíduos leitores, que demonstraram maior engajamento cívico (voluntariado, voto, doações). Também apresentaram aumentada empatia e melhor entendimento dos sentimentos dos outros, aumento nas atividades relacionadas à Teoria da Mente (Tamir et. al. 2016). Crianças entre 4 a 6 anos expostas à ficção infantil têm melhores performances na Teoria da Mente (Mar et. al., 2010), bem como, o uso de histórias com maior conteúdo emocional, social e psicológico prediz empatia e ajuste socioemocional. A Teoria da Mente é a capacidade que temos de espelhar o que se passa na mente de outra pessoa, intuir suas emoções, sentimentos, intencionalidades.
   Importante destacar que os benefícios socioemocionais ocorrem apenas para a literatura ficcional de alta qualidade, livros que exigem das crianças a construção de suas próprias interpretações sociais. Um estudo onde adultos leram ficção para as crianças por uma semana demonstrou que a experiência promoveu mudanças positivas na empatia mas, somente quando havia um elevado conteúdo emocional nas histórias (Bal e Veltkamp, 2013).
   A leitura de textos ficcionais com contextos sociais ativa as redes neurais padrões para habilidades sociais, em uma espécie de simulação social, simulação de cenas físicas vividas e simulação de pessoas e mentes (Tamir et. al. 2016).
   Leitores de ficção possuem consistentes habilidades cognitivas sociais (Mar et. al. 2010). Historicamente, sociedades altamente literárias, especialmente sociedades que produzem literatura psicologicamente rica, funcionam mais empaticamente e são menos violentas que sociedades menos literárias (Pinker, 2013).
   Ler é o principal componente de estimulação cognitiva (Fernandez, Goldberg e Michelon, 2013), é importante fator de proteção neural. Como escreve Aldous Huxley em “Admirável mundo novo”: “não se pode consumir muita coisa se se fica sentado lendo livros”, no que vale a leitura enquanto fator econômico do ponto de vista ecológico e pessoal. Os livros de ficção nos ensinam o universo do outro, de nossas relações sociais, nos preparam para aquilo que ainda não vivemos e para a alegria e sofrimento que percebemos para além de nós mesmos, gera empatia e compaixão, nos oferecem o tempo para as coisas que estão por vir. Nos melhoram enquanto indivíduos e enquanto sociedade. Leia para uma criança ainda não alfabetizada, estimule a leitura ficcional em crianças alfabetizadas e, leia romances sempre que puder, além de dar exemplo, sua saúde mental e a saúde do mundo que habita serão fortalecidas. Ler parece ser um grandioso ato de amor e paz.

Referências Bibliográficas:
BAL, P. M. & VELTKAMP, M. (2013) How does fiction reading influence empathy? An experimental investigation on the role of emotional transportation. PLoS One, 8(1), p.55341.https://doi.org/10.1371/journal.pone.0055341
BREM, S., BACH, S., KUCIAN, K., KUJALA, J. V., GUTTORN, T. K., MARTIN, E. RICHARDSON, U. (2010). Brain sensitivity to print emerges when children learn letter-speech sound correspondences. Proceedings of the National Academy of Sciences U S A, 107, 7939–7944. doi:10.1073/pnas.0904402107.
FERNANDEZ, A., GOLDBERG, E. MICHELON, P. (2013). The Sharp Brains Guide to Brain Fitness: How to Optimize Brain Health and Performance at Any Age. Washington, DC: SharpBrains. http://mybook.to/brainfitness. Retrieved January 15, 2015.
MAR, R. A., TACKETT, J. L. & MOORE, C. (2010) Exposure to media and theory-of-mind development in preschoolers. Cognitive Development, 25(1), pp. 69-78. https://doi.org/10.1016/j.cogdev.2009.11.002
PINKER, S. (2013). Os anjos bons de nossa natureza. São Paulo: Cia. das Letras.
TAMIR, D. I., BRICKER, A. B., DODELL-FEDER, D., MITCHELL, J. P. (2016). Reading fiction and reading minds: the role of simulation in the default network. Social cognitive and affective neuroscience, 11(2), 215–224. https://doi.org/10.1093/scan/nsv114.