Existem diferentes maneiras de o sistema nervoso sofrer modificações, elas podem ser na sua química, sua morfologia ou em sua anatomia. Vamos discutir neste texto acerca das modificações morfológicas, e suas implicações para a aprendizagem. Vamos analisar as relações existentes entre neuroplasticidade e as experiências, treinos, exercícios e traumas que advém do processo educacional, o quanto tal processo pode ser benéfico ou neutro, mas também, negativo, a partir de memórias e automatismos de difícil eliminação ou reestruturação. Aquilo que proporcionamos em educação enquanto pais, cuidadores ou profissionais educadores e terapeutas pode ser efetivo enquanto cura e autorrealização, reforçador de habilidades e competências benéficas para o bem estar de toda a comunidade envolvida. Uma neuroplasticidade para o bem.

Podemos conceituar plasticidade neural como toda modificação estrutural ou química no sistema nervoso decorrente da aprendizagem, de experiências, após lesões, traumas (Lent, 2004). Mudanças no ambiente externo ou interno do organismo geram respostas plásticas dos neurônios, assim, o principal propósito da aprendizagem é adaptar o organismo com sucesso ao ambiente, que está sempre em mudança. Este é um dos princípios definidores da vida, no que Maturana e Varela (1995) denominaram de “acoplamento estrutural”.

As alterações do ambiente podem representar mudanças significativas na morfologia celular do cérebro, bem como, na sua anatomia. Existem inúmeras maneiras de tais mudanças ocorrerem, a proliferação dos espinhos dendríticos e dos axônios que formam os feixes de fibras nervosas serão o foco no texto. Os dendritos crescem na direção de outros neurônios para estabelecer novas conexões sinápticas, na medida que suas redes neurais são estimuladas e requisitadas. Existe um crescimento dos dendritos em direção às células neurais adjacentes a partir do momento que o neurônio necessita produzir respostas às mudanças do meio.

O ambiente educacional empobrecido não proporciona a proliferação ampla de espinhos dendríticos e de novos prolongamentos dos axônios para aumento das conexões neurais. Pode ainda, aumentar a ativação e conectividade das redes neurais relacionadas ao medo, raiva, dor, com respostas automatizadas e negativas para o controle do estresse e emoções.

A figura 1 ilustra as células estelares do córtex do cérebro de ratos em duas situações, uma em um ambiente empobrecido com apenas comida e água, e outra com barra para roer, roda de estimulação, rampa e estratos elevados do ambiente. Repare que as células estelares proliferaram suas ramificações e conexões dos axônios para melhorar as respostas ao ambiente enriquecido do ratinho.

FIGURA 1: Proliferação de prolongamentos axônicos em células estelares do córtex de ratos em dois ambientes, “empobrecido” ou, “enriquecido” com diversos estímulos.

FONTE: SARTORIO, R. Compreendendo e aplicando as neurociências na educação. São José: Alvart Editorial, 2016.p.38.

Os painéis, exposições de trabalhos dos alunos, esquemas, experimentos, experiências em ambientes virtuais e demais instrumentos disponibilizados para aprendizagens equivalem aos brinquedos na caixa do segundo ratinho. Os trabalhos dos alunos expostos nas paredes da sala de aula são componentes a mais nesse sentido, pois proporcionam uma vinculação emocional ao ambiente de aprendizado.

A figura 2 é uma imagem por magnetoencefatografia de veteranos de guerra submetidos a visualização de faces ameaçadoras, onde as porções azuladas e esverdeadas representam maior atividade nos núcleos das amígdalas (áreas do cérebro que atuam como centros principais das respostas e memórias emocionais), em pacientes com Transtorno de Estresse Pós-Traumático (Badura-Brack et. al., 2018). O cérebro, mesmo após passado o evento traumático, revive o evento como se estivesse acontecendo de novo e de novo e de novo, qualquer traço do ambiente ou circunstância que remeta ao trauma, será vivido intensamente pelo cérebro e o restante do corpo. As fibras nervosas são reforçadas e respondem com rapidez e são muito automatizadas no tipo de resposta (com agressividade ou medo). Essas conexões são muito intensas e de difícil extinção, formam memórias de longo prazo, que podem ser revigoradas ao longo da vida do indivíduo, dependendo das demais vivências que experimentar, requerendo terapias específicas (Terapia do Esquema, por exemplo).

FIGURA 2: Imagem por Magnetoencefalografia, mostrando amigdala de um veterano de guerra hiperativa em decorrência da visualização de faces ameaçadoras.

FONTE:  BADURA-BRACK, A., McDERMOTT, T. J., HEINRICHS-GRAHAM, E., RYAN, T. J., KHANNA, M. M., PINE, D. S., BARHAIM, Y., WILSON, T. W. Veterans with PTSD Demonstrate Amygdala Hyperactivity while Viewing Threatening Faces: A MEG Study. Biological Psychology. https://doi.org/10.1016/j.biopsycho.2018.01.005.

As fibras nervosas são axônios de diferentes neurônios empacotados em feixes. Os axônios, que levam os impulsos até o botão sináptico, são revestidos por bainha de mielina, uma camada de lipídios e proteínas, formada a partir de ômega 3 e vitamina B12, principalmente. Mas, os feixes de fibras serão reforçados e mais eficazes na condução do sinal se forem utilizados, exercitados. Por esse motivo, a repetição de habilidades e competências motoras, cognitivas e socioemocionais deve ser constante ao longo de todo o processo educacional e de toda a vida. Quanto maior e melhor o treino, mais automatizado ficará o processo motor, cognitivo e emocional, mais rápido e eficaz sua resposta, como saber a tabuada “de cor”, ou soletrar palavras com agilidade.

Nossa ideia aqui consistiu na elucidação de como ocorre a neuroplasticidade morfológica do tecido nervoso e suas relações com aprendizagens, propiciadas a partir de processos educacionais planejados, organizados e efetivados sistemática e continuamente (por profissionais da educação e terapeutas formados e aptos para desempenhar com excelência essas atividades), contemplando habilidades e saberes consolidados ao longo da história das ciências, das artes, da filosofia, das religiões, das tecnologias e todas as formas de linguagens.

Tais processos educacionais, formais ou informais, são a base para construção de um projeto civilizatório e claro para o Mundo. Podem ser também a base para traumas, comportamentos e relações que encaminhem um povo para a banalização do abuso, negligência e maus tratos, assim como, da corrupção e de toda espécie de fanatismo. Organizar essas redes neurais de forma positiva, preservando a infância e adolescência em especial, é obrigação das famílias, das escolas e de toda a comunidade, a Neurociência e Ciências Cognitivas estão ai para nos indicar os caminhos e possibilidades.

Saiba mais em:

https://rodrigosartorio.com.br/neuroplasticidade-memoria-e-atencao/

Referências:

BADURA-BRACK, A., McDERMOTT, T. J., HEINRICHS-GRAHAM, E., RYAN, T. J., KHANNA, M. M., PINE, D. S., BARHAIM, Y., WILSON, T. W., Veterans with PTSD Demonstrate Amygdala Hyperactivity while Viewing Threatening Faces: A MEG Study. Biological Psychology. https://doi.org/10.1016/j.biopsycho.2018.01.005

LENT, R. Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais de neurociências. São Paulo: Atheneu, 2004.

MATURANA, H., VARELA, F. A árvore do conhecimento: as bases biológicas do entendimento humano. Editorial Psy II: Campinas, 1995.

SARTORIO, R. Compreendendo e aplicando as neurociências na educação. São José: Alvart Editorial, 2016.