Segundo o livro “The SharpBrains guide to brain fitness” organizado por Alvaro Fernandez e pelo ilustre discípulo de Luria, Dr. Elkhonon Goldberg, a estimulação cognitiva constitui um grande desafio, mas também, uma oportunidade. Isso é particularmente verdadeiro para crianças com necessidades especiais, no manejo do estresse e emoções para adultos jovens e no que tange a memória em idosos. Apresentamos aqui uma síntese dessa importante obra e, provavelmente, poderá oferecer insights importantes nas nossas ações educacionais e nos treinamentos.

Precisamos cada vez mais de uma visão global e especializada do que vem a ser aptidão cerebral. A começar pelo entendimento de que a neurogênese e neuroplasticidade são possíveis através de muitas experiências, pensamentos ou emoções.Cada um tem o poder de mudar e moldar seu cérebro, basta iniciar cultivando uma nova mentalidade e dominando novas ferramentas.


Podemos iniciar pensando no Princípio de Hebb para a ativação neural: uma rede neural que for contínua e repetidamente estimulada junto de outras promoverá uma otimização das funções cerebrais. Por outro lado, quanto menos uma rede neural for ativada, menor seu potencial para ativar outros grupos de células. Uma frase clássica do Professor Goldberg é justamente “cérebro, use-o ou esqueça-o”.

Quais atividades e comportamentos podem prover um grupo de experiências que ajudem a otimizar o cérebro? Em uma pesquisa utilizando formulários na web, as pessoas foram questionadas acerca de qual seria a coisa mais importante para o florescimento da vida pessoal e profissional? Segue a lista em ordem de importância:

1. Habilidade no manejo do estresse;

2. Poder de concentração para evitar distrações;

3. Ser hábil em reconhecer e controlar uma emoção;

4. Processar uma nova informação rapidamente;

5. Definir e perseguir objetivos pessoais principais;

6. Ser hábil em monitorar e controlar um processo mental;

7. Habilidade em lidar com situações novas e incertas;

8. Planejamento das ações e resolver problemas de forma sistemática;

9. Habilidade para multitarefas;

10. Relembrar faces e nomes.

Podemos perceber que habilidades relacionadas as capacidades cognitivas, de resiliência e enfrentamento do estresse estão entre as prioridades no que tange a fatores impactantes para melhorias nas esferas pessoais e profissionais das suas vidas.

O declínio cognitivo em decorrência da idade, devido ao aumento da idade média na senescência, está entre os grandes desafios do século XXI, em especial pela diminuição da qualidade de vida em contraponto com o aumento da expectativa da mesma. Um estudo de metanálise, envolvendo 25 revisões e 250 estudos específicos, desenvolvido pelo National Instituto for Health (NIH) nos USA, apontou os fatores associados ao Alzheimer e ao declínio cognitivo. Aumentam os riscos: diabetes, gene APOe4, fumar, depressão.  Diminuem os riscos: dieta mediterrânea, atividades físicas, atividades cognitivas.

O Treino cognitivo parece estar relacionado aos fatores que diminuem os riscos para processos demenciais. O treino deve ser de no mínimo 10 a 15 horas semanais, por um período de 6 semanas para benefícios mensuráveis.Por que e como mudar o cérebro? “A próxima onda de evolução humana é a gestão pessoal do cérebro; usar o que sabemos sobre o cérebro e mudar como ele funciona”.

Como exercícios físicos alteram o cérebro? O principal problema do declínio cognitivo está relacionado à atrofia cerebral, especialmente na região frontal do cérebro, responsável pelas funções executivas. Os exercícios físicos promovem um aumento das neurotrofinas, aumento das substâncias cinza e branca do cérebro e aumento da angiogênese. Isso ocorre se os exercícios forem realizados em uma frequência de 3 vezes por semana (30 a 60 minutos cada). Exercícios físicos e cognitivos são sinérgicos: pessoas podem se beneficiar mais do treino cognitivo quando elas se exercitam fisicamente.

Outro importante ponto é a estimulação mental: para estimular a mente são necessários três aspectos: Novidade – Variedade – Desafios. Esses três componentes são fundamentais para promover um aumento da reserva cerebral, diminuindo os riscos e efeitos dos processos demenciais. Como a educação afeta o cérebro? Aprender muda o cérebro por promover mais conexões e novos neurônios. Mais educação e treino significam trabalhos que sejam mais mentalmente estimulantes. As atividades analisadas em maior proporção nas pesquisas, segundo a metanálise do NIH, foram: ler, escrever, jogos de tabuleiros e cartas, palavras cruzadas e quebra-cabeças, participação em discussões em grupos organizados.

Outro fator de maior estimulação cerebral foi o treino musical: cérebros são maiores para músicos nas áreas motoras, auditivas, vísuo espaciais, além disso, músicos e musicistas apresentam vantagens no processamento da fala, processamento auditivo (importante na elaboração de novas memórias) e proteção aumentada contra demências.

Aprender uma nova língua também promoveu o aumento das funções executivas, que significa um auxílio na construção de reserva cerebral e diminui o risco de declínio cognitivo e Alzheimer.

Vídeo games de ação, que envolvam estratégias e necessitam da participação ativa do jogador, também parecem aumentar a performance sensorial, a percepção e a atenção. Daphne Bavelier analisou os jogos “Medal of Honor”, “Call of Duty” e “Unreal Tournament”, Arthur Kramer analisou o jogo de estratégia “Rise of Nation”, ambos estudos demonstraram aumento na capacidade de memória de trabalho e das habilidades de raciocínio. O game “Lemmings”, que inclue habilidades sociais no seu repertório e na interface de jogo, pareceu aumentar áreas de tomada de decisão e empatia.

A estimulação social também está fortemente relacionada com aumento das habilidades cognitivas e devem ser incluídas em possíveis programas de treino cognitivo. Entre essas estimulações podemos incluir participações mais frequentes em atividades sociais que confiram um alto nível de suporte social percebido pelos participantes, que acarreta em aumento das funções executivas. Voluntariado também oferece esse suporte. Grupos sociais estimulam habilidades cognitivas e podem aumentar a abertura social em adultos tardios. Abertura para novas experiências não parece ser um traço fixo de personalidade e pode, portanto, ser desenvolvida.

Mas afinal o que é o treino cerebral? É o uso adequado e eficiente de exercícios mentais planejados para aperfeiçoar capacidades e redes neurais objetivamente, para funções cerebrais específicas. “Neurônios que disparam juntos se conectam juntos”. Repetidas estimulações (treino) em uma rede específica de neurônios resultam em novas e fortes conexões.

O treinamento cerebral consiste em intervenções mais objetivas e eficientes, então como maximizar uma mudança de sucesso e a probabilidade de transferência do treino para a vida diária? Análises acerca do treino cognitivo apresentam que estes conferem pequena proteção neural, mas, apesar do nível de evidência ser alto, o efeito é claro e distinto, mesmo que pequeno. Já a estimulação mental está relacionada à construção de reserva cerebral.

Os benefícios para aqueles que são submetidos aos programas de treino cognitivo e estimulação cerebral são claros, mesmo que a literatura e os achados sejam ambíguos.  É ainda um grande desafio equalizar diferentes atividades que promovam efeitos duradouros no cérebro e a transferência de habilidades do treino para nossos desafios diários. Com algumas técnicas e princípios norteadores do trabalho é possível fortalecer aspectos cognitivos nas escolas e nas empresas, maximizando as capacidades de aprendizagem e execução de tarefas, bem como, o exercício da autonomia e responsabilidade. Tais transferências são possíveis a partir das condições específicas na realização do treino cognitivo, para diferentes públicos e em diferentes espaços.

 

Referências:

Fernandez, A., Goldberg, E., and Michelon, P. 2013. The Sharp Brains Guide to Brain Fit-ness: How to Optimize Brain Health and Performance at Any Age. Washington, DC: SharpBrains. https://mybook.to/brainfitness. Retrieved January 15, 2015.