Sexo é vida, certamente. Sexo é tabu; não necessariamente. Muitos dos nossos códigos de conduta morais são baseados nas questões sexuais e parece que todos nós somos entendedores no que concerne ao certo e ao errado nos comportamentos sexuais. Um famoso livro de divulgação científica no assunto é “O animal moral”, do jornalista científico Robert Wright, que analisa as condutas sociais da Inglaterra vitoriana à luz do que regulamentava a vida sexual no passado a aquilo que rege agora, e uma perspectiva histórica embasada na própria vida privada de Charles Darwin (Wright, 1996). Entre as muitas ideias importantes para compreendermos nossos comportamentos sexuais, a análise discorre, a partir de uma perspectiva evolucionista, dos motivos pelos quais os homens e mulheres traem seus parceiros “reprodutivos”, as vantagens e desvantagens de ter muitos ou poucos filhos, bem como, a origem do tabu do “incesto” (claramente um tabu com valor adaptativo, pois relações incestuosas e, portanto, consanguíneas, facilitariam a presença de genes deletérios em duplicata e, a diminuição na variabilidade de respostas do sistema imune nos filhotes possíveis dessas relações – o próprio Darwin, casado com sua prima, teve filhos que morreram precocemente ou eram bastante adoentados), ou ainda, do tabu da virgindade, ainda bastante presente em muitas culturas.

Alguns argumentam que não existem diferentes expressões de sexualidade, e que existem apenas macho e fêmea. O que a literatura científica nos coloca e será analisado no texto é que isso não é verdade, nem em termos biológicos (existem casos de hermafroditismo ou expressão genética em mosaico de caracteres sexuais primários e secundários), e tampouco, em termos psicobiológicos e socioculturais (podemos nos identificar de diversas maneiras no espectro de comportamentos e preferências, que são oriundas dos dois extremos, machos e fêmeas, homens e mulheres).

Sexo e sexualidades estão fortemente marcados em nossos corpos e em nossas estruturas de sobrevivência, cognitivas e psíquicas. Está determinado que sexo é vida, é a perpetuação da mesma, com todas as suas variações, estratégias e competições. Sexo é competição por acasalar e deixar cópias de si mesmo. Sexo se tornou cobiça, mas também cooperação, um sinal de amizade, respeito ou parceria, aliança e consideração. Sexo vende, simplesmente porque nossos cérebros estão programados a prestar muita, mas muita atenção, nos contextos e eventos onde expressamos nossas sexualidades. Conhecer sobre sexo é ter liderança, usar e dominar a sexualidade alheia é ter poder.

Para o real entendimento dos papéis que a sexualidade exerce sobre o desenvolvimento humano, um passo fundamental é a análise hormonal e os efeitos de hormônios e fatores de transcrição hormonal no desenvolvimento neural, cognitivo e psíquico. Esses hormônios apresentam efeitos dramáticos no desenvolvimento, especialmente, no período fetal intrauterino, nos primeiros dois anos de vida, na adolescência e, por fim, na senescência, onde o declínio na produção de muitas destas substâncias também se relaciona ao declínio cognitivo e do desenvolvimento. Os eixos endócrinos que estimulam, produzem e liberam hormônios sexuais estão ativos ainda no útero, e impactam na formação dos caracteres sexuais secundários no período embrionário, estão muito ativos influenciando a estruturação do encéfalo próximo à gestação e presentes na formação dos cérebros em tenra idade e, tanto hormônios masculinizantes quanto feminilizantes são liberados e atuam em corpos de meninos e meninas, com maiores ou menores intensidades de ação e quantidades em diferentes pessoas. Somos um mosaico de sexualidade e de preferências.

Um exemplo de como os hormônios podem influenciar de maneira marcante nossas vidas, comportamentos e personalidade, pode ser aferido das mulheres com Hiperplasia Adrenal Congênita. Como o córtex das suprarrenais (adrenais) se torna muito desenvolvido, acaba liberando uma quantidade maior de hormônio masculino e promovendo um processo de desenvolvimento mais androgênico, em especial no período fetal e nos dois primeiros anos de vida. Tal processo de masculinização já foi estabelecido como promovendo alterações em áreas do cérebro tais como amígdalas e núcleos específicos do hipotálamo (área pré-óptica e núcleo anterior intersticial número 3 e 4), esses últimos com receptores para ativação por feromônios de diferentes sexos e com claro dimorfismo sexual (diferente nos cérebros de homens e mulheres) e, maiores em mulheres com hiperplasia das suprarrenais (Borgarelli, 2007).

Não obstante o enorme impacto que questões de sexualidade geram nas moralidades, no mercado e em ações políticas fascistas, ou o uso religioso do temor relativo aos comportamentos sexuais, temor, pecado e medo, o sexo resiste enquanto questão científica. Nesse aspecto, de maior relevância é considerar e compreender o impacto social e existencial das doenças sexualmente transmissíveis e a gravidez indesejada. Também aqui, seguir o que sugere a literatura científica, e não apenas o que dita nossos preceitos morais, trará maiores resultados na prevenção de muitas tristezas, preconceitos e problemas de saúde relacionados aos componentes sexuais e de sexualidade. Isso é particularmente relevante na educação para a sexualidade na infância e, na especialmente importante na educação sexual durante a adolescência, onde os comportamentos de riscos e os experimentalismos próprios da faixa etária são potencialmente aumentados no que diz respeito aos comportamentos sexuais.

O que nos diz a literatura é que a melhor forma de lidar com as questões de sexualidade e de sexo é discutir relações de causalidade, e a análise das probabilidades dos riscos e consequências a partir do conhecimento dos nossos corpos e de nossas preferências sexuais, longe dos tabus e preconceitos. Ou seja, educação científica usando o que de mais desejo e medo nossos cérebros experimentam, nossa sexualidade e relações sexuais. Um exemplo é o ensino acerca das doenças sexualmente transmissíveis: é mais relevante em termos de aprendizagem que se compreenda o ciclo de vida do parasita, que pode ser o vírus HIV, o tipo de célula do sistema imune que ele parasita e os mecanismos de multiplicação das partículas virais, os mecanismos de contaminação, ressaltando o papel do plasma sanguíneo nesse processo e os comportamentos e situações que geram maiores riscos, incluindo aí o sexo sem preservativo e o sexo anal sem proteção. Assim criamos relações de causalidade entre o organismo parasita e o sexo sem proteção (Zamora, Romo e Kit-fong Au, 2006).

Uma consequência negativa dos tabus e preconceitos que permeiam questões de sexualidade está relacionada justamente ao incremento que doenças sexualmente transmissíveis apresentam devido ao não discernimento e esclarecimento sobre o assunto, momentos preciosos para que organismos parasitas, agora mais resistentes, se multipliquem. O mesmo ocorre para gravidez precoce e indesejada, pré-natal e puerpério sem os cuidados de saúde adequados e, abortos desnecessários ou perigosos para a saúde da mulher.

Ao mesmo tempo em que discutimos questões de sexualidade e de sexo, podemos treinar habilidades cognitivas, sociais e emocionais, sendo um excelente componente curricular se o educador estiver devidamente preparado para o desafio e para a boa condução da temática.

Bibliografia:

BORGARELLI, Mario Pedro. Aporte para el conocimiento antomo-funcional del órgano vomeronasal humano y su probable relación con la conducta socio-sexual. Alcmeon, Revista Argentina de Clínica Neuropsiquiátrica. Año 16, 1(14):5-48. 2007.

WRIGHT, Robert. O animal moral: por que somos como somos? A nova ciência da psicologia evolucionista. Rio de Janeiro: Campus, 1996. p.416.

ZAMORA, A., ROMO, Laura F. e KIT-FONG AU, Terry. Using biology to teach adolescentes about STD transmission and self-protective behaviors. Journal of Applied Developmental Psychology. 27 (2), 2006. pp.109-124.