Em Freud uma ideia fundamental da constituição do sujeito é o papel que a mãe e o pai exercem no desenvolvimento do caráter, sexualidade, motivações. Na função Materna, não somos apresentados para nossas mães, mas sim, somos uma extensão das mesmas, nosso amor pelas mães já emerge internalizado, é amor próprio. A mãe é aquela figura que nos remete a segurança da vida, fisiológica; quando doentes ou com fome corremos para nossas mães. A primeira figura externa ao mundo que é apresentada para a criança é o pai, ou algo que o equivalha, como um avô, um tio ou outra mulher, nas diversas configurações familiares. O pai é a primeira figura do mundo que necessitamos internalizar a ideia de forma positiva para que seja amor, a partir dessa experiência primeira com o Mundo, todas as demais serão pautadas. A função paterna seria apresentar o mundo para a criança, dizer-lhe o que é certo ou errado, distinguir os meios dos fins, o bom do ruim, a “mão pesada do grande outro”, da cultura, da sociedade, tradições; quando inseguros socialmente buscamos o refúgio dos nossos pais (Freud, obras completas, V.14).
O educador/educadora é a primeira figura externa ao útero da família que é apresentada para a criança, é a experiência primeira, em nossos dias, de internalização da ideia de comunidade, de povo, de nação. O professor/professora cumpre um papel semelhante aquele da função paterna, o de apresentar o mundo para a criança (educar), mas vai além, ele também ajuda a construir a ideia de como o mundo funciona (instruir). Quando esta experiência primeira fora da família se estabelece de forma positiva, é amor, pois a ideia da figura internalizada nos dá alegria. A função do educador se dá principalmente por meio da instrução, dos conteúdos, experiências e vivências que oferece de forma sistematizada e planejada, democrática e espontânea.
O que deriva de mais importante num primeiro momento no fortalecimento das emoções e formação de líderes é que mães, pais e educadores/educadoras são as pessoas mais intima e legitimamente vinculadas ao sucesso, ou conatus dos seus filhos e educandos. Em relações minimamente saudáveis no contexto do que discutimos aqui, o pai e a mãe não pretendem “vender” um modelo de mundo para seus filhos se não porque acreditam nesse modelo como aquele com melhores chances de sobrevivência e manutenção das estruturas dos seus (Spinoza, Ética, parte III, A origem e natureza dos afetos).
De modo semelhante, não existem relações comerciais entre professores e alunos, o professor oferece suas aulas e conteúdos com o objetivo maior de que esses aumentam as chances de sucesso de seus alunos, aumentem as chances de manutenção e coerência de suas estruturas. O conteúdo é selecionado também visando colocar o sujeito a par de sua história e realidade física a partir dos conhecimentos acumulados ao longo de milênios e do que a ciência preconiza a partir dos seus padrões de probabilidades que oferece, de que algo aconteça daquela forma e não de outra em um dado momento. As artes, a filosofia, estudo das religiões e dos sistemas de crenças, ideação corpórea e cinestesia são fundamentais para prover ao indivíduo a sua criatividade e poder gerar novas maneiras de sobreviver e viver; de se tornar pessoa autorrealizadora, sentindo esta necessidade de se autoatualizar sempre e mais.
Nesse ponto, chegamos a um momento crítico do ato de educar e instruir, primeiro pela quantidade de informação impossível de processar; reza a lenda que Erasmus de Rotterdan foi o último homem a ter acumulado em si mesmo toda a informação culta sistematizada na Europa até meados do Século XVII. Segundo, pela constante e sistemática humilhação da função materna e paterna e da função do educador/educadora, sistemática, planificada e aterrorizante humilhação da função do educador, por meio da sua pobre formação, péssima valoração social e cultural, empobrecedores salários e precárias condições de trabalho.
Estamos cercados de exemplos de como a mídia, a política e a religião, paulatinamente, vêm tirando poder das relações familiares e nas esferas educacionais, na humilhação da função do pai, da mãe e dos professores/professoras (O incrível mundo de Gumball, Os Simpsons, Todo mundo odeia o Cris, Pepa Pig, Uma professora sem classe, e toda a sorte de desfiguração destes personagens). Quem não conhece o “papai bobinho, em Pepa Pig? Já assistiu ao episódio “A meia” de O incrível mundo de Gumball?. Fica de sugestão para assistir e refletir acerca dos propósitos sistematizados de tais desenhos e filmes.
Certamente, todo o trauma, sequela, negligência e castração advindas dos pais e da escola decorrentes destas forças que exercem sobre o desenvolvimento humano deverão ser execrados e evitados. Mas, a despeito de toda a força e poder que a chamada “mão severa do grande outro” pode ter por meio das tradições, culturas, o que pode ser considerado uma não liberdade, uma não escolha, estas figuras são imprescindíveis para nossa constituição e sobrevivência (o estado vai acolher as crianças, o mercado quem sabe?).
Apesar do despreparo dos adultos de desempenharem tais papéis, ainda é inegável que (na média) as pessoas mais interessadas em nossa sobrevivência, sucesso e autorrealização são nossos pais, amigos e professores. Sou professor, e assim vejo minha alegria quando da alegria de um aluno, assim como, na ideia de pai assumidamente querendo espelhar a mãe, a alegria dos meus filhos, sobrinhos, filhos dos meus amigos será a minha alegria. O sucesso deles será o meu sucesso.
Então o problema não se configura na importância destes papéis, mas em como ele é exercido, e pode levar a reflexão acerca da necessidade de muitos pais terem uma escola para si; uma Escola para Pais, de maneira que eles possam ocupar os papéis de verdadeiros líderes para suas comunidades e para seus filhos. Também uma formação sólida e atual para os professores/professoras se faz necessário para alavancar o desenvolvimento intelectual, emocional e ético/moral de nossa sociedade. Tais formações para pais e educadores devem vir em especial da psicologia, filosofia, sociologia, artes, educação e desenvolvimento psicomotor e, em especial, da Neurociência e Ciências Cognitivas.
O desenvolvimento de habilidades e competências, bem como, da autonomia e independência do individuo e da comunidade em que está inserido é o motor primário para o bom desenvolvimento de uma sociedade mais justa e igualitária, mais equânime e menos violenta e excludente.
O cuidado com a formação das gerações futuras significa uma chance a mais de sobrevivência para a humanidade e civilização. Mas podemos permanecer na nossa letargia e aceitarmos que não há mais futuro, ou lutarmos de forma legítima nas nossas relações enquanto lar e enquanto escola, 365 dias por ano, 200 dias letivos, incansavelmente no empoderamento que todos temos em nossos cotidianos.
Bibliografia:
Freud, S. (1996). Sobre o narcisismo: uma introdução. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 14, pp. 77-113). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1914).
Freud, S. (1980). O Mal-estar na civilização (J. O. A. Ribeiro, Trad.). Em J. Salomão (Org.), Edição standard brasileira de obras completas de Sigmund Freud (Vol. XXI, pp.81-178). Rio de Janeiro: Imago. (Original publicado em 1930).
Spinoza, Benedictus de. Ética. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora. 2008.