Na década de 1950, Donald Hebb sugeriu que cada neurônio no córtex cerebral codificaria alguma característica do mundo e se tornava ativo sempre que estímulos relacionados à característica estivessem presentes. No entanto, surge um problema quando características de diferentes memórias se sobrepõem em um sistema de interferência. Isso pode ser explicado com a descoberta de dois sistemas diferenciados; o hipocampo seria o responsável por codificar e decodificar estas informações, mas as mesmas seriam estocadas em neurônios e sinapses específicas no córtex cerebral. McClelland, McNaughton e O´Reilly (1995) sugeriram que os dois sistemas relacionados à memória, da criação de novas conexões por parte do córtex e das funções de arquivamento de lembranças distintas pelo hipocampo atuariam separadamente, no que ficou denominado “sistemas complementares de aprendizagem”. Modelos de redes neurais artificiais demonstraram que estas redes podem adaptar as suas conexões de maneira a reter as informações antigas face às novas aprendizagens (Abrahan e Robins, 2005).

Além disso, evidências de neurogênese adulta nas regiões do hipocampo dariam conta de manter memórias mesmo após declínio cognitivo relacionado à idade, principalmente em indivíduos que mantêm estilo de vida saudável e que exercitam o corpo e a mente com regularidade, em uma combinação de atividade física e desafios cognitivos (Praag, Kempermann e Gage, 1999).

Fator importante no que tange a memória para os estudantes está relacionado à neuroplasticidade. Nosso cérebro apresenta grande capacidade de modificar suas estruturas químicas e morfológicas em decorrência da aprendizagem. Price, Verne e Schwartz (2006) demonstraram que nossa neuroplasticidade é autodirigida, direcionamos nossa atenção devido à genética, experiências e expectativas. Portanto, podemos direcionar nossa plasticidade cerebral quando criamos expectativas para nossas experiências. Leituras prévias de um determinado assunto irão paulatinamente direcionar a atenção e a plasticidade cerebral para o tema a ser estudado. Importante que professores e seus alunos possam ir gerando insights a cada novo encontro, direcionando a atenção e o foco, e gerando expectativas que diminuam a resistência aos novos conteúdos, como se fossem cenas dos próximos capítulos.

Se nossa neuroplasticidade, atenção e foco podem ser autodirigidas, como podemos gerar uma espiral crescente de envolvimento com nossos estudos e aprendizagens durante a vida acadêmica? Nakamura e Csikszentmihalyi (2002) nos oferecem uma teoria de como gerar um estado de fluxo (flow). As condições para o flow consistem em: 1. Perceber os desafios e oportunidades para aumentar habilidades existentes, e 2. Metas claras (a meta final e o passo a passo para alcançá-la) com retroalimentação imediata a cada nova etapa da meta. Sob estas condições os autores afirmam que a experiência se desenrola perfeitamente momento a momento, em um estado subjetivo com as seguintes características: – concentração intensa e profundamente focada no aqui e agora; – sensação de controle; – distorção do tempo, que parece passar mais rápido; – autotranscendência, com a sensação de perda da consciência de si e uma fusão com a atividade, aumentando a noção relacional do indivíduo; – uma motivação intrínseca, na qual a atividade passa a ser motivacional em si mesma, e a recompensa se torna estar mergulhado na atividade.

As implicações desta teoria para a memória e aprendizagem são inúmeras, tanto nos ambientes educacionais, quanto no trabalho. Para a memória, o indivíduo passa a ter mais possibilidades de conexões na atividade ou estudo no qual está envolvido; quanto maior o foco e atenção, maior a capacidade de retenção e resgate das informações, bem como, o número de conexões envolvidas na atividade. No que tange aos sistemas emocionais, o fato de o estado de flow gerar uma sensação de controle, mesmo que momentâneo, diminui a ansiedade e o estresse.

O estresse crônico é deletério para a memória e cognição (Peavy et. al., 2009; O’Brien et. al., 2004), sendo que neurônios da formação hipocampal morrem ou se tornam menos ativos durante estes períodos. A neurogênese adulta (nascimento de novos neurônios) ocorre amplamente na região hipocampal durante os períodos mais amenos, com pouco estresse, boa alimentação e estimulação neural (Praag, Kempermann e Gage, 1999). Durante o estresse crônico e eventos traumáticos há diminuição da atividade hipocampal (memória consciente) e aumento da atividade da amígdala (memória inconsciente), no que podemos concluir que durante períodos prolongados de estresse, lembramos menos dos eventos e fatos da vida, mas agimos de forma inconsciente de maneira mais vigorosa aos mesmos. Essa sensação de não controlar a vida leva a ansiedade e a depressão, distorcendo nossas memórias e diminuindo nossa capacidade de atenção e foco nos estudos.

Outros fatores relacionados aos maus hábitos de vida podem ser prejudiciais a nossa memória de fatos e dados, como o uso abusivo de álcool, que indisponibiliza a vitamina B1, ou tiamina, importante mediador neuroquímico no hipocampo. O sono também constitui componente essencial para a consolidação de novas memórias, pois durante os estágios de sono profundo e sono REM ocorrem intensas atividades no hipocampo. Portanto, uma vida saudável, com atividade física regular, atividades meditativas, alimentação balanceada e com preferência para os açúcares de cadeia longa, presentes nas farinhas integrais e nas frutas, e a concentração profunda nos estudos, podem ser facilitadores das atividades cognitivas, aumentando as chances de sucesso na vida acadêmica.

 

Referências:

ABRAHAM, W. C. e ROBINS, A. Memory retention – the synaptic stability versus plasticity dilemma. Trends in Neuroscience, 28 (2), 73-78, 2005. doi:10.1016/j.tins.2004.12.003.

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NAKAMURA, J., & CSIKSZENTMIHALYI, M. The concept of flow. In C. R. Snyder & S. J. Lopez (Eds.), Handbook of positive psychology (pp. 89-105). New York: Oxford University Press, 2002.

O’BRIEN, J. T.; LLOYD, A.; McKEITH, I.; GHOLKAR, A. e FERRIER, N. A longitudinal study of hippocampal volume, cortisol levels, and cognition in older depressed subjects. American Journal of Psychiatry, 161(11):2081-2090, 2004. doi:10.1176/appi.ajp.161.11.2081.

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