Aprendizagem pode ser definida enquanto mudanças no sistema nervoso e, consequentemente, no nosso comportamento, a partir de estímulos e experiências. Essas mudanças são denominadas de memórias (Carlson, 2002), e estão fundamentadas na capacidade de plasticidade cerebral, que são alterações químicas, morfológicas e anatômicas após lesões, experiências, traumas, estímulos e exposições as informações de maneira repetitiva.

Do ponto de vista neuromorfológico as memórias podem se apresentar como sendo estabelecidas a partir da potenciação eletroquímica durante a comunicação neural. Essas potenciações podem ser de curto prazo, sistema de memória de capacidade limitada, comparada à memória RAM de um computador, também denominada memória imediata, um conjunto de dados, pensamentos, sentimentos e impressões fugazes do mundo (Gazzaniga e Heatherton, 2005). São sinapses que ocorrem poucas vezes em uma dada circuitaria neural e são facilmente descartadas.

Quando em decorrência da repetição de manutenção de uma memória de curto prazo, com consequente codificação, ocorre potenciação de longo prazo; um aumento de longo prazo na excitabilidade de um neurônio em uma determinada sinapse, causada por estimulação repetitiva e de alta frequência, que pode ser recuperada facilmente por nossas memórias de curto prazo. Esta memória de curto prazo pode ser também pensada em termos de memória de trabalho ou operacional, um sistema de processamento ativo que mantém as informações organizadas durante a solução de problemas, compreensão, raciocínio.

 

Tipos de Memórias

Os sistemas de memórias podem ser divididos com base em como a informação é armazenada; se é sem esforço deliberado chamamos de memória implícita, se for com esforço deliberado denominamos de memória explícita.

Um primeiro tipo de memória implícita é a emocional, que ocorre nos corpos amigdalâmicos e é considerada uma memória implícita por não poder ser lembrada de forma consciente, ou não declarativa, pois não é possível uma descrição verbal dos eventos e fatos armazenados na mesma.

Um segundo tipo de memória não declarativa ou implícita é a memória motora, aquela necessária para mover os dedos sobre o teclado ao digitar um texto ou aquela utilizada para trocar de marcha em um automóvel ou pronunciar uma proposição. Os aspectos motores envolvidos neste processo não são declaráveis e os procedimentos são muitas vezes automatizados.

A memória de trabalho, ou memória processual, é um meio termo entre a memória declarativa e a não declarativa. Esta memória está envolvida na sequência de tarefas e o tempo que deve ser gasto em cada uma delas. Ocorre um resgate das informações de longo prazo para serem utilizadas em um procedimento, solução de problemas, ideias ou sequência de ações.

A memória de trabalho apresenta três componentes principais: 1. a executiva central, que coordena o material, codificando e filtrando informações dos sistemas sensoriais, e que recupera as informações da memória de longo prazo conforme necessário; 2. a alça fonológica, que codifica informações auditivas e que está ativa sempre que lemos, falamos ou repetimos palavras para nós mesmos (nossa “voz interior”); e 3. o bloco de notas visuoespacial, utilizado para processar informações visuais, como características de objetos e suas localizações (Gazzaniga e Heatherton, 2005).

A memória declarativa, também denominada memória explicita ou consciente, é aquela que lembramos com esforço deliberado e que pode ser declarada. O que não podemos explicar não pode ser lembrado, sendo a linguagem um aporte fundamental para o pensamento (Pinker, 2008). A formação hipocampal é a área relacionada às nossas memórias de fatos (autobiográfica) e de dados (semântica) e tem a função, principalmente durante o sono REM (sono com sonhos) e durante o sono profundo, de processar as informações e consolidar as mesmas no cérebro, também envolvido no resgate das informações (Gazzaniga, Ivry e Mangun, 2006).

As diferentes memórias podem e devem ser estimuladas pelos educadores. Os exercícios de fixação devem estar constantemente em pauta nas salas de aula e nas reuniões pedagógicas, bem como nos planejamentos dos professores. Sem treino, não há consolidação de conhecimentos e hábitos.

Aulas de psicodrama e que envolvam decisões morais são espaços para o treino de componentes emocionais importantes como empatia, compaixão, tristeza, dor, raiva, alegria. Nossas memórias emocionais, crenças e esquemas são passíveis de alteração, modificando o sistema e fortalecendo nossas capacidades de controle das mesmas e de resiliência.

O mesmo ocorre com a memória motora; um bom exemplo vem do envolvimento de componentes motores durante a escrita com letra cursiva que parecem auxiliar na fixação de conteúdos, sendo os resumos escritos ótimos exercícios cognitivos, o treino motor levando a excelência cognitiva no que tange a memória declarativa e operacional.

Os diários e agendas poderiam servir de aportes para o exercício da memória, já que temos, na maioria, estímulos visuais como os principais meios de armazenar informações. Sistemas de aprendizado baseados na alça fonológica (aulas expositivas dialogadas) com diferentes técnicas de repetições de dados em voz alta, ou ritmar números e textos, são eficazes mecanismos de estimulação da alça fonológica. No que tange ao bloco de notas visuoespacial (mapas conceituais, gráficos e esquemas mentais dos conteúdos) são os principais mecanismos utilizados por professores. Também os debates e trocas de ideias dentro e fora dos ambientes formais de aprendizagem, experimentos, diários de campo e de pesquisa, aprendizagem baseada em problemas e aprendizagem baseada em equipes são metodologias que deverão ganhar espaço cada dia maior na educação, oferecendo este ambiente saudável para a memória e aprendizagem.

 

Referências:

CARLSON, N. Fisiologia do comportamento. 7.ed. São Paulo: Manole, 2002.

GAZZANIGA, M. S., HEATHERTON, T. F. Ciência psicológica: mente, cérebro e comportamento. 2. imp.rev. Porto Alegre: Artmed, 2005.

GAZZANIGA, M., IVRY, R. B., MANGUN, S. Neurociência cognitiva: a biologia da mente. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.

McCLELLAND, J.L.; McNAUGHTON, B. L. e O´REILLY, R. C. Why there are complementary learning systems in the hippocampus and neocortex: insights from the successes and feilures of connectionist models of Learning and memory. Psychological Review, 102(3), 419-457, 1995. doi:10.1037/0033‐295X.102.3.419.

PINKER, S.  Do que é feito o pensamento: a língua como janela para a natureza humana. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

PRAAG, H. van , KEMPERMANN, G. e GAGE, F. H. Running increases cell proliferation and neurogenesis in the adult mouse dentate gyrus. Nature Neuroscience.2, 266 – 270. 1999. doi:10.1038/6368.

PRICE, D.D.; VERNER, G.N. e SCHWARTZ, J.M. Plasticity in brain processing and modulation of pain. Progress in Brain Research. 157, 331-353. 2006. doi: 10.1016/S0079-6123(06)57020-7.