Neurônios que disparam juntos se conectam juntos, em nós e, entre nós. A ativação dos neurônios espelhos e de áreas do cérebro relacionadas aos automatismos motores, compartilhados a partir do treino, do convívio e da empatia, ativam diferentes redes neurais de forma sincrônica em nossos cérebros e, em sintonia com os cérebros de outros. Vamos entender um pouco mais sobre como os neurônios espelhos funcionam e como o treino e algumas atividades podem melhorar e reforçar sistemas de redes neurais para habilidades individuais ou em equipe.

Os neurônios espelhos são tipos de células nervosas distribuídas em todo o córtex cerebral, o córtex é a casca que reveste o cérebro, com suas dobras, giros e circunvoluções. São células especializadas em espelhar as atividades de neurônios nos cérebros de outras pessoas, presentes em diferentes organismos animais. Espelhar o comportamento e as ações dos outros em nossas mentes, reconhecer e responder a uma expressão de emoção ou sentimento, antecipar as intencionalidades das pessoas, a todos os vastos e ricos espelhamentos designamos por “Teoria da Mente”, que é uma teoria que criamos sobre como a mente alheia funciona ou está funcionando naquele momento.

A “Teoria da Mente”, portanto, não é uma teoria que explica como a mente funciona, mas sim, “a” teoria que criamos no cérebro sobre o que está acontecendo na mente das pessoas. Buscamos tais concepções do mundo fora de nós, ávidos por padrões e previsibilidades. Algumas pessoas podem ter dificuldades no processamento dessa habilidade em um ou mais aspectos da mesma. Pessoas com transtorno de personalidade podem não sentir medo, raiva ou dor como as demais. No Transtorno de Déficit de Atenção (TDAH), com ou sem hiperatividade e impulsividade, pode ocorrer perda no foco e atenção, ou, alterações na percepção, o tempo pode ser percebido e avaliado em uma velocidade e padrão diferentes do que a médio dos indivíduos com quem convive.

De maneiras muito peculiares, no Transtorno do Espectro Autista (TEA), em toda a sua amplitude, teremos alguma alteração no funcionamento dos neurônios espelhos, que podem ser em maior número, mas também, menos conectados. Alterações nas áreas da linguagem parecem estar mais relacionadas com o autismo clássico, enquanto que, as áreas da sociabilidade se relacionam com o tipo Asperger. Em muitos casos, há comorbidades ou os diagnósticos apontam para características variadas no espectro, na amplitude do transtorno, ou ainda, com traços de outras doenças mentais.Mais importante que o diagnóstico, são os estímulos, processos terapêuticos e organização da vida escolar, familiar e pessoal em qualquer um dos casos nos quais neurônios espelhos, em seu funcionamento alterado, geram prejuízos para os indivíduos e suas relações.

Digo isso tendo em vista que, uma mente alterada nos transtornos citados ou em outros, como do humor, pode apresentar características, pensamentos e estilos mentais com capacidades especiais de percepção, ideias diversas da média, memórias ou hiperfoco amplificados seletivamente, com variabilidade do pensar que, sem tais indivíduos, muitos dos saberes e práticas que possuímos hoje não seriam possíveis. Poderia citar Leonardo da Vinci, Wolfgang Amadeus Mozart, Virginia Wolf, Vincent van Gogh, Albert Einstein e muitos outros. O que não podemos aceitar é o sofrimento que pessoas com características mentais distintas experimentam em suas vidas desde tenra idade, salvaguardar as potencialidade e bem estar é papel especial da família e da escola, mas constitucionalmente, dever de toda a sociedade.

Autistas, apesar do apelido de “síndrome dos espelhos quebrados” e do estigma criado a partir de avaliações com foco na linguagem verbal, podem projetar suas mentes maravilhosamente bem em números, gráficos, dados, desenhos, mapas e padrões de toda a natureza, que parecem buscar com hiperfoco e sofisticação.

Indiferente de qualquer natureza que a mente possa ter, o treino motor, a estimulação sensorial correta, além de melhorar habilidades cognitivas, emocionais e sociais, produzem uma sincronicidade mental entre indivíduos de maneiras que ainda não compreendemos o suficiente, mas que, existem sugestões de como produzi-las e amplia-las, em benefícios mútuos, que incluem a empatia, compaixão e cooperação, produtividade, excelência.

Algumas ações, quando realizadas em pares ou grupos, como comer, dormir, acordar, rir, chorar, conversar, parecem particularmente especiais para ativar neurônios espelhos, pois, são primitivas, relacionadas com nossos sistemas de sobrevivência e, vívidas em nossos cotidianos. O mesmo podemos dizer das diferentes expressões da sexualidade. Atividades físicas em grupos e esportes coletivos, expressões artísticas como teatro e dança, atividades laborais que exijam cooperação e corporeidade, ilustram a importância do convívio e treino para maximizar o espelhamento, bem como, o desempenho naquilo que estamos executando conjuntamente.

Elefantes indianos, que carregam toras de madeiras com suas trombas e em equipe, guiados por seus tratadores e treinadores, precisam sincronizar com maestria seus corpanzis na execução da perigosa tarefa. Não apenas eles treinam em conjunto essas habilidades, como também costumam, ao menos no período de treinamento, partilhar o alimento, habitação, socializar muito, eles e seus treinadores. Elefantes são animais maravilhosos no que diz respeito à expressão das emoções, seus rituais e hierarquias, estruturas sociais, cognição e aprendizagem. O livro “Quando os elefantes choram”, dos autores Jeffrey Moussaieff Masson e Susan McCarthy, é uma literatura sugerida para compreender melhor o mundo desses animais e o conceito de consciência, bem como, as capacidades dos neurônios espelhos em outros animais.

 

Para ilustrar os contextos nos quais neurônios espelhos e redes neurais se ativam conjuntamente em nós ou, entre nós, para percebermos os benefícios do discutido no texto, quero usa o exemplo da Seleção Brasileira de Futebol dirigida pelo mesmo treinador, Luiz Felipe Scolari, nas Copas do Mundo de 2002 (Coreia do Sul/Japão) e de 2014 (Brasil).

Na Copa de 2002, a seleção brasileira e equipe técnica estiveram concentradas intimamente em muitas atividades, além dos treinos e preparos; os jogadores estiveram bastante isolados de contato direto com outras pessoas, mas muito coesos entre eles, hospedados juntos, fazendo refeições entre eles, convivendo de forma intensa por um curto, mas importante, período de tempo. A equipe era formada por renomados e excepcionais jogadores, entretanto, a constelação foi mais importante que as estrelas, quem conferir os jogos ou para quem teve a oportunidade de assistir aos mesmos à época, perceberá o grande entrosamento dos jogadores, bastante focados em analisar os jogos dos rivais juntos, a partilha do alimento e do local para dormir, um todo de atividades que estimularam diferentes áreas para a empatia, antecipação dos atos, intencionalidades, cooperação, psicomotricidade, coesão.

Comer, beber, dormir, acordar com outras pessoas engajadas no mesmo propósito, por um período de tempo, reforçam o disparo síncrono de neurônios para os atos básicos e primitivos de nossas subsistências e dos neurônios espelhos relacionados às atividades e propósitos que temos com nossa família em um passeio, para uma partida de futebol, para um trabalho que exija habilidade motora ou cognitiva específica, um grupo de dança ou nos estudos da escola, faculdade. Geralmente, quando vamos conhecendo alguém que temos interesse, os encontros iniciais estão rodeados de contextos que envolvem bebidas e comidas: cafés, jantares, um piquenique, a partilha do mesmo local para dormir deixo a cargo da imaginação e escolhas do leitor.

A campeã da Copa do Mundo de 2014 foi a Alemanha, em uma estratégia semelhante ao Brasil em 2002, o grupo concentrado e coeso, além do trabalho voluntariado que realizaram em equipe na comunidade onde ficaram hospedados, no litoral sul da Bahia, nada mal para um 7 a 1 e para ganhar uma copa do mundo de futebol. Também, o desempenho e união dos jogadores brasileiros da copa de 2014 foram negativamente correlatos, muita estrela e pouca constelação, muita self e pouca ativação de redes neurais baseadas em neurônios espelhos no propósito do time.

Em Metodologias Ativas da Aprendizagem, a Aprendizagem Baseada em Equipes (TBL, ou Team Based Learning) pode se beneficiar muito de porções de comida, bebida, discussões organizadas, trocas de experiências, conversas de conteúdo psicológico rico, expressão das emoções e desejo de exercitar a empatia e colocar em ação os neurônios espelhos, automatizando processos e maximizando resultados para você, suas relações e os propósitos daquela equipe.

Outra metodologia ativa que apresenta resultados positivos na aprendizagem e que se justifica o seu uso nas ideias deste texto é a Instrução por Pares (peer instruction). Neste caso, o professor passa um exercício e quem corrige os mesmos e explica os resultados para quem errou algum tópico ou questão são os próprios colegas, por vezes, com linguagem menos técnica, no entanto, mais próxima do discurso dos alunos, dos seus pares que comungam de contextos semelhantes e que se relacionam entre si mais que a díade professor-aluno.

Na perspectiva da neuroplasticidade humana, possível ao longo de toda a vida, tanto em termos de neurogênese (nascimento de novas células nervosas) quanto em sinaptogênese (crescimento de novas conexões entre as células nervosas), as aprendizagens dependem mais do treino do que da idade. A neuroplasticidade pode ser mensurada por imageamento cerebral.

Uma pesquisa usando ressonância magnética funcional avaliou alterações nos cérebros de estudantes de medicina que tinham exames e estudaram por meses para tais avaliações. As imagens foram comparadas com estudantes de medicina que não estavam estudando para as provas e, indivíduos que não tinham provas para realizar. Houve uma diferença significativa na atividade do cérebro dos estudantes de medicina que se prepararam para os exames, em especial na região posterior do hipotálamo (memória) e córtex parietal (aprendizagem espacial, integração sensorial, de localização, percepção). Treinamentos e estudos realizados conjuntamente por um período de meses já promove um aumento da neuroplasticidade e de ativação em áreas correlatas nos cérebros de diferentes indivíduos.

Novidade, variedade e desafios são os principais componentes da estimulação cognitiva. O esforço e persistência, aprender a adiar uma gratificação, ser responsável nas atividades em grupo, priorizar a amizade e civilidade em momentos como refeições, descanso, lazer, jogos e brincadeiras, em qualquer idade, fará com que tenhamos uma boa variabilidade de redes neurais que serão ativadas conjuntamente em nossos cérebros e que nos conectarão de forma positiva e bem sincronizada com aqueles que convivemos e partilhamos um trabalho, um ambiente, um amor, uma vida.

Referências Bibliográficas:

BARON-COHEN, S. (1999). The extreme-male-brain theory of autism. In H. Tager Flusberg (ed.), Neurodevelopmental disorders. MIT Press, pp. 1-68.

GALLESE, V. (2009) Mirror Neurons, Embodied Simulation, and the Neural Basis of Social Identification, Psychoanalytic Dialogues, 19:5, 519-536.

GALLESE, V. GOLDMAN, A. (1998). Mirror neurons and the simulation theory of mind reading. Trends in cognitive sciences, 2: 493-501.

IACOBINI, M. (2009). Imitation, empathy and mirror neuron. Annual Review of Psychology, 60: 653-670.

IACOBINI, M., WOODS, R. P., BRASS, M., BEKKERING, H., MAZZIOTTA, J. C., RIZZOLATTI, G. (1999). Cortical mechanisms of human imitation. Science, 286(5449), 2526-2528.

RIZZOLATTI, G, CRAIGHERO, L. (2004). The mirror-neuron system. Annu. Rev. Neurosci, 27, 169-192.