Alguns argumentam que não existem diferentes expressões de sexualidade, e que existem apenas macho e fêmea. O que a literatura científica nos coloca e será analisado no texto é que isso não é verdade, nem em termos biológicos (existem casos de hermafroditismo ou expressão genética em mosaico de caracteres sexuais primários e secundários), e tampouco, em termos psicobiológicos e socioculturais (podemos nos identificar de diversas maneiras no espectro de comportamentos e preferências, que são oriundas dos dois extremos, machos e fêmeas, homens e mulheres).
Sexo e sexualidades estão fortemente marcados em nossos corpos e em nossas estruturas de sobrevivência, cognitivas e psíquicas. Está determinado que sexo é vida, é a perpetuação da mesma, com todas as suas variações, estratégias e competições. Sexo é competição por acasalar e deixar cópias de si mesmo. Sexo se tornou cobiça, mas também cooperação, um sinal de amizade, respeito ou parceria, aliança e consideração. Sexo vende, simplesmente porque nossos cérebros estão programados a prestar muita, mas muita atenção, nos contextos e eventos onde expressamos nossas sexualidades. Conhecer sobre sexo é ter liderança, usar e dominar a sexualidade alheia é ter poder.
Para o real entendimento dos papéis que a sexualidade exerce sobre o desenvolvimento humano, um passo fundamental é a análise hormonal e os efeitos de hormônios e fatores de transcrição hormonal no desenvolvimento neural, cognitivo e psíquico. Esses hormônios apresentam efeitos dramáticos no desenvolvimento, especialmente, no período fetal intrauterino, nos primeiros dois anos de vida, na adolescência e, por fim, na senescência, onde o declínio na produção de muitas destas substâncias também se relaciona ao declínio cognitivo e do desenvolvimento. Os eixos endócrinos que estimulam, produzem e liberam hormônios sexuais estão ativos ainda no útero, e impactam na formação dos caracteres sexuais secundários no período embrionário, estão muito ativos influenciando a estruturação do encéfalo próximo à gestação e presentes na formação dos cérebros em tenra idade e, tanto hormônios masculinizantes quanto feminilizantes são liberados e atuam em corpos de meninos e meninas, com maiores ou menores intensidades de ação e quantidades em diferentes pessoas. Somos um mosaico de sexualidade e de preferências.
Um exemplo de como os hormônios podem influenciar de maneira marcante nossas vidas, comportamentos e personalidade, pode ser aferido das mulheres com Hiperplasia Adrenal Congênita. Como o córtex das suprarrenais (adrenais) se torna muito desenvolvido, acaba liberando uma quantidade maior de hormônio masculino e promovendo um processo de desenvolvimento mais androgênico, em especial no período fetal e nos dois primeiros anos de vida. Tal processo de masculinização já foi estabelecido como promovendo alterações em áreas do cérebro tais como amígdalas e núcleos específicos do hipotálamo (área pré-óptica e núcleo anterior intersticial número 3 e 4), esses últimos com receptores para ativação por feromônios de diferentes sexos e com claro dimorfismo sexual (diferente nos cérebros de homens e mulheres) e, maiores em mulheres com hiperplasia das suprarrenais (Borgarelli, 2007).
Não obstante o enorme impacto que questões de sexualidade geram nas moralidades, no mercado e em ações políticas fascistas, ou o uso religioso do temor relativo aos comportamentos sexuais, temor, pecado e medo, o sexo resiste enquanto questão científica. Nesse aspecto, de maior relevância é considerar e compreender o impacto social e existencial das doenças sexualmente transmissíveis e a gravidez indesejada. Também aqui, seguir o que sugere a literatura científica, e não apenas o que dita nossos preceitos morais, trará maiores resultados na prevenção de muitas tristezas, preconceitos e problemas de saúde relacionados aos componentes sexuais e de sexualidade. Isso é particularmente relevante na educação para a sexualidade na infância e, na especialmente importante na educação sexual durante a adolescência, onde os comportamentos de riscos e os experimentalismos próprios da faixa etária são potencialmente aumentados no que diz respeito aos comportamentos sexuais.
O que nos diz a literatura é que a melhor forma de lidar com as questões de sexualidade e de sexo é discutir relações de causalidade, e a análise das probabilidades dos riscos e consequências a partir do conhecimento dos nossos corpos e de nossas preferências sexuais, longe dos tabus e preconceitos. Ou seja, educação científica usando o que de mais desejo e medo nossos cérebros experimentam, nossa sexualidade e relações sexuais. Um exemplo é o ensino acerca das doenças sexualmente transmissíveis: é mais relevante em termos de aprendizagem que se compreenda o ciclo de vida do parasita, que pode ser o vírus HIV, o tipo de célula do sistema imune que ele parasita e os mecanismos de multiplicação das partículas virais, os mecanismos de contaminação, ressaltando o papel do plasma sanguíneo nesse processo e os comportamentos e situações que geram maiores riscos, incluindo aí o sexo sem preservativo e o sexo anal sem proteção. Assim criamos relações de causalidade entre o organismo parasita e o sexo sem proteção (Zamora, Romo e Kit-fong Au, 2006).
Uma consequência negativa dos tabus e preconceitos que permeiam questões de sexualidade está relacionada justamente ao incremento que doenças sexualmente transmissíveis apresentam devido ao não discernimento e esclarecimento sobre o assunto, momentos preciosos para que organismos parasitas, agora mais resistentes, se multipliquem. O mesmo ocorre para gravidez precoce e indesejada, pré-natal e puerpério sem os cuidados de saúde adequados e, abortos desnecessários ou perigosos para a saúde da mulher.
Ao mesmo tempo em que discutimos questões de sexualidade e de sexo, podemos treinar habilidades cognitivas, sociais e emocionais, sendo um excelente componente curricular se o educador estiver devidamente preparado para o desafio e para a boa condução da temática.
Bibliografia:
BORGARELLI, Mario Pedro. Aporte para el conocimiento antomo-funcional del órgano vomeronasal humano y su probable relación con la conducta socio-sexual. Alcmeon, Revista Argentina de Clínica Neuropsiquiátrica. Año 16, 1(14):5-48. 2007.
WRIGHT, Robert. O animal moral: por que somos como somos? A nova ciência da psicologia evolucionista. Rio de Janeiro: Campus, 1996. p.416.
ZAMORA, A., ROMO, Laura F. e KIT-FONG AU, Terry. Using biology to teach adolescentes about STD transmission and self-protective behaviors. Journal of Applied Developmental Psychology. 27 (2), 2006. pp.109-124.